03 janeiro 2007

HERÓIS DO MAR
1980, predominavam nas rádios portuguesas as canções de intervenção e começava também a ascensão da música brasileira. O panorama começou a mudar com os temas «Chico Fininho», de Rui Veloso, «Cavalos de Corrida» dos UHF ou «Chiclete» dos Táxi. Era o boom do rock português e assistia-se ao desfilar de temas de três minutos que invariavelmente tomavam de assalto as tabelas de vendas em Portugal.
É em finais desse ano que Pedro Ayres de Magalhães aborda Rui Pregal da Cunha na discoteca Trumps, em Lisboa, e lhe pergunta se quer ser vocalista de um novo projecto musical. O futuro cantor dos Heróis do Mar era uma boa escolha. As suas frequentes incursões nos lugares da movida lisboeta de 80, o facto de ter participado no projecto musical experimentalista "Colagem Urbana", e a sua recusa em alinhar num Portugal passadista, faziam dele o homem certo para o lugar certo.
No mês de Maio de 1981 arrancam os trabalhos para o primeiro disco dos Heróis do Mar. Já com Rui Pregal da Cunha na voz, Pedro Ayres de Magalhães no baixo, Paulo Pedro Gonçalves na guitarra, António José de Almeida na bateria e Carlos Maria Trindade nos teclados, lançam o seu primeiro single: «Brava Dança dos Heróis/Saudade». Estávamos em Agosto de 1981 e em finais desse ano surgia o primeiro álbum da banda: “Heróis do Mar”. O trabalho é um dos melhores de sempre da pop nacional.
Os cinco amigos fundiam em disco e em palco diversas influências: canção, pop, modernidade, história de Portugal e até as sagas de aventuras japonesas do cinema. No entanto, a utilização de fardas, da bandeira de Portugal e da cruz de Cristo valeram-lhes as primeiras reacções adversas e a conotação com ideais fascistas, por parte da imprensa.
O Portugal de 80 parecia ser ainda de 60. E não compreendia que a banda procurava ser inovadora, mas sem trair um certo imaginário lusitano. Em «Brava Dança», os Heróis do Mar referem que várias pessoas lhes sugeriram que abandonassem aquela imagem inicial e que fizessem uma música mais ‘catchy’. O resultado foi um êxito estrondoso, “Amor”, de 1982. Os portugueses já tinham uma música para dançar nas discotecas.
Seria por volta desta altura que a revista britânica The Face os consideraria a melhor banda da Europa continental. Ainda assim, a transformação de “cartão de visita da modernidade portuguesa” para fenómeno de vendas não seria pacífica entre os fãs. Os êxitos continuaram a surgir em disco: «Cachopa» do álbum “Mãe” (1983), e principalmente os singles «Paixão» (1984) e «Alegria» (1985). Em 1986 surgia o terceiro trabalho dos Heróis, “Macau”. Neste álbum já se começa a notar algum cansaço e falta de ideias, descontando uma excelente canção: «Fado». No ano seguinte, os Heróis do Mar jogariam o seu às de trunfo com o single «O Inventor». A ideia presente neste tema, e em «Eu Quero», do álbum “Heróis do Mar IV”, fazia jus a uma certa forma ‘clean and fun’ de gozar com as pessoas que apelidaram no início a banda de fascista.
Com o lançamento de “Heróis do Mar IV”, em 1988, encerrava-se o último capítulo de um agrupamento que fez da mensagem, e da imagem, o seu leitmotiv principal, ou seja, a sua base de existência musical e cultural.
Nesta altura, as divergências musicais e pessoais atingiam o auge: Pedro Ayres de Magalhães fundava os Madredeus e António José de Almeida abandonava o grupo. Pouco depois era a vez de Rui Pregal da Cunha e Pedro Paulo Gonçalves iniciarem o projecto LX-90.
Ao fim de 25 anos, o legado dos Heróis do Mar permanece mais vivo do que nunca. Porque eles foram a melhor banda pop de Portugal e abriram caminho para tudo o que se fez a seguir. Ousaram quebrar barreiras com um guarda-roupa original, com temas que apontavam para o sentir lusitano: «Saudade», «Brava Dança dos Heróis», uma certa irreverência, «Amor» e «Paixão», ou o puro gozo pop, «O Inventor» e «Eu Quero».
A grande virtude de “A Brava Dança” consiste em recuperar uma memória que convém não esquecer. Mostrando material inédito e imagens que continuariam perdidas nos arquivos de televisões nacionais e estrangeiras. Outra das tarefas que o documentário executa na perfeição é a de dar voz aos Heróis, contextualizando o momento político e cultural que se vivia no Portugal dos idos anos 80.
Rui Pregal da Cunha, vocalista dos Heróis do Mar faz uma confissão: “Internacionalização? os brasileiros dizem que não nos entendem…”. Parece mentira, o conjunto até teve alguns temas seus a passarem em discotecas do Rio de Janeiro mas os tempos eram outros. Existiam apenas dois canais televisivos e não havia uma indústria musical em Portugal…
O público, que descobre ou redescobre os Heróis do Mar na discoteca Plateau ao som de «Paixão», percebe que o grupo lisboeta foi mais do que uma sensação do momento. A música deles é e continuará a soar actual e fresca.
Era muito saudável para a música pop cantada em português que Pedro Ayres de Magalhães, Rui Pregal da Cunha e restantes companheiros se reagrupassem para fazer um novo disco, uma tournée ou um DVD de um espectáculo ao vivo.
Os fãs da primeira hora rejubilariam e os mais novos ficariam certamente convencidos.
É sensata a reedição pela EMI do catálogo do conjunto prevista para 2007. No entanto, faz mais sentido a edição de uma caixa com todos os singles da banda, porque este era o seu ponto forte.

Pedro Salgado